quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Eficiência Postal


"Pobre daquele que não guardou consigo um pouco de bom humor."

- Há muito que eles deveriam ter mandado o tal remédio! O menino não se agüenta mais com essa chieira no peito. Essa asma está acabando com ele!
Januária, alarmada com a última crise do sobrinho, resmungava enquanto colocava os pratos e talheres na grande mesa da sala de jantar.
-Pensando bem, há mais de dois meses que eu escrevi ao Gonzaga pedindo urgência nessa remessa, e até agora nada. Primeiro dizem que o tal pozinho é milagroso, barato, fácil de encontrar... Agora ficam nessa demora?
- Calma tia, Portugal não fica ali na esquina. Talvez eles tenham tido alguma dificuldade burocrática para remeter o remédio. Mais dia menos dia, sua encomenda chega e o “queridinho” vai ficar bom de vez. Agora o que eu quero mesmo é comer, porque a fome é negra - disse Beto, o mais sensato dos três rapazes.
Januária continuou a resmungar contra o irmão que morava em Lisboa, como se ele pudesse ouvi-la.
Passados uns quinze dias dessa conversa e da última crise do “queridinho” chega um aviso dos Correios, que lá se encontrava um pacote e que o mesmo deveria ser apanhado pelo destinatário.
Beto se prontificou a ir buscar a tal remessa.
Januária, logo que abriu o embrulho se deparou com um pequeno estojo de madeira, bem embalado e com tampa de metal, contendo um pó escuro e fino. Cheirou, tornou a cheirar e comentou: - Não fede nem cheira!
Procurou alguma instrução, carta, bilhete... Nada!
- Parente é mesmo gente imprestável! Agora que mandaram o remédio temos de adivinhar o resto.Tem nada não! Uma colher de chá pela manhã, ao acordar e outra colher à noite, antes de dormir e o pobrezinho não vai mais padecer com essa moléstia dos infernos.
- Realmente... O menino não teve mais nenhuma noite em que o ar era buscado freneticamente, a boca aberta, os olhos injetados, o peito arfante. Engordou, estava corado e saudável. Foi um milagre o santo pozinho!
Januária, feliz, não se cansava de contar aos amigos e vizinhos. E já faziam três meses! Todas as manhãs e todas as noites, religiosamente, uma colher de chá remédio, vindo da “terrinha”.
O telegrama do Gonzaga chegou avisando que desembarcaria no Rio e, na segunda-feira, estaria com os parentes para contarem as novidades e colocarem os assuntos em dia.
Foi um rebuliço! Todos queriam ver o tio que há tanto tempo se fora para terras distantes. O almoço, preparado com carinho, a cachacinha do norte de Minas, a sobremesa de doce de leite com queijo fresquinho e o cafezinho servido na bandeja, na grande varanda. Todos conversando e o Gonzaga a fumar um enorme charuto, hábito adquirido em outras terras: - Pois é... agora teremos de decidir o que vamos fazer com as cinzas da tia Eufrásia que enviei a vocês. Coitada! Estava tão velhinha... Mas como expliquei “naquela carta”, ela pediu em seu leito de morte que não queria ser enterrada longe da pátria que ela tanto amava!

Escrevi essa crônica no Acuruí, em 1986 . Foi publicada no Estado de Minas, no mesmo ano.

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