terça-feira, 14 de outubro de 2008

Jeitos de amar...


'Ando com uma preguiça homérica de escrever. Mas sempre tem alguém que já escreveu coisas lindas, bem mais inspirada que eu..."



Jeitos de amar

Adélia Prado


Uma personagem põe-se a lembrar da mãe, que era danadade braba, mas esmerava-se na hora de fazer dois molhosde cachinhos no cabelo da filha, para que ela fossebonita pra escola. "Meu Deus, quanto jeito que tem de ter amor". É comovente porque é algo que a gente esquece: milhõesde pequenos gestos são maneiras de amar. Beijos e abraços são provas mais eloqüentes, exigemretribuição física, são facilidades do corpo. Porém há diversos outras demonstrações mais sutis. Mexer no cabelo, pentear os cabelos, tal como aquelamãe e aquela filha, tal como namorados fazem, tal comotanta gente faz: cafunés. Amigas colorindo o cabelo da outra, cortando franjas,puxando rabos de cavalo, rindo soltas. Quanto jeito que há de amar. Flores colhidas na calçada, flores compradas, floresfeitas de papel, desenhadas, entregues em datas nadaespeciais: "lembrei de você". É este o único e melhor motivo para azaléias,margaridas, violetinhas. Quanto jeito que há de amar. Um telefonema pra saber da saúde, uma oferta decarona, um elogio, um livro emprestado, uma cartarespondida, uma mensagem pelo celular, repartir o que se tem, cuidados para não magoar, dizer a verdadequando ela é salutar, e mentir, sim, com carinho, sefor para evitar feridas e dores desnecessárias. Quanto jeito que há de amar. Uma foto mantida ao alcance dos olhos, uma lembrançabem guardada, fazer o prato predileto de alguém ebotar uma mesa bonita, levar o cachorro pra passear,chamar pra ver a lua, dar banho em quem não conseguefazê-lo só, ouvir os velhos, ouvir as crianças, ouviros amigos, ouvir os parentes, ouvir. Quanto jeito que há de amar. Rezar por alguém, vestir roupa nova pra homenagear,trocar curativos, tirar pra dançar, não espalharsegredos, puxar o cobertor caído, cobrir, visitardoentes, velar, sugerir cidades, filmes, cds,brinquedos, brincar... Quanto jeito que há.
"Adélia Luzia Prado Freitas ( Nasceu enm Divinópolis, em 13 de dezembro de 1935 é uma autora notável. Seus textos e suas poesias retratam o cotidiano com perplexidade e encanto."

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